MESTRA MARGARIDA
Maria Margarida da Conceição é alagoana. Veio morar em Juazeiro do Norte ainda criança, acompanhando seus pais, romeiros do padre Cícero, que vieram em busca de dias melhores. Foi casada com Seu Enoque e teve dezoito filhos. Na juventude, foi cacimbeira, costureira, lavadeira, parteira e benzedeira, mas seu ofício mesmo é o Guerreiro.
Em Juazeiro, ela conheceu Mestra Àgada do Reisado e Mestre Amaro do Guerreiro. Brincou com os dois e diz que, dos 14 para os 15 anos, montou sua própria brincadeira, o Guerreiro Santa Joana D’arc, um grupo que tinha a tradição de ser formado só por mulheres.
Quando Carlos e Schirley chegaram em Juazeiro do Norte no início da década de 80, foram em busca dos mestres e mestras da cultura na cidade e logo conheceram Dona Margarida. No final das tardes, era comum na casa de Carlos e Schirley reunir Mestra Margarida, Mestre Manoel Cordeiro, Mestre Zé Oliveira, Mestre Sebastião, entre outros brincantes, para cantarem as peças que guardavam em suas memórias. Mestra Margarida sempre teve uma voz fora do comum, com potência para estremecer as paredes e ser ouvida a dois quarteirões de distância. Sua extensão vocal permitia-lhe cantar em mais de três oitavas com muita facilidade e com um domínio melódico capaz de fazer o que quisesse, seja cantar de primeira, abrir terça ou quinta.
De Maceió, trouxe a lembrança dos Guerreiros e a raiz de sua terra, à qual nunca mais voltou, ligando-a a uma tradição que a fez criar seu grupo de um jeito diferente. Juntou em sua memória canções de guerreiro, reisado, lapinha, pastoril, benditos e com isso fez seu próprio jeito de brincar. Pela sua voz e pela imensa memória musical, Mestra Margarida é reconhecida e respeitada por todos os brincantes de Juazeiro do Norte.
Em 1984, Mestra Margarida participou da construção da Barraca da União, ajudando a costurar a lona, e depois brincava com seu guerreiro nas atividades da escola. Em 1987, compôs a primeira diretoria da Carroça de Mamulengos como secretária.
Em 2002, quando a Carroça de Mamulengos retornou a Juazeiro do Norte, Mestra Margarida estava morando em condições muito precárias. A família Gomide a trouxe para dentro de casa. Quando a companhia criou a União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus, Mestra Margarida participou do movimento, teve seu grupo de Guerreiro reestruturado, integrou a gravação do álbum "Reisados e Guerreiros de Juazeiro do Norte", viajou para o Rio de Janeiro e para Brasília junto do movimento.
Mestra Margarida é reconhecida como tesouro vivo pelo estado do Ceará e tem o título de notório saber da Universidade Federal do Ceará.
Em 2021, a Carroça de Mamulengos lançou três álbuns registrando o cancioneiro de Mestra Margarida: "Chegou meu Guerreiro, Treme Terra", "Noite Serena" e "Som de Guerreiro". Todos estão disponíveis para audição nas redes sociais.
Atualmente (2024) Mestra Margarida reside em um abrigo para idosos em Juazeiro do Norte.
Memórias:
Até 2005, em Juazeiro do Norte, o único grupo onde se brincava com mulheres era o Guerreiro de Mestra Margarida. Até então, na cidade, os brincantes explicavam que o reisado é de homem e o guerreiro é de mulher. Mesmo sendo um grupo de brincantes mulheres, Margarida diz que o seu grupo é um Guerreiro. Após a União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus, surgiram novos grupos inspirados no Guerreiro de Margarida e são chamados de Guerreiras. Em suas peças de Guerreiro, é muito presente o mar, os caboclos de pena, as batalhas, a guerra e a paisagem geográfica de Alagoas, seu estado natal, que nunca mais retornou, mas que passou a vida cantando.